Capacidade da espécie humana fundamental para o desenvolvimento cultural da humanidade, a imaginação tem, igualmente, papel importante nos processos de desenvolvimento e aprendizagem de cada ser humano.Publicado em 18/08/2008 ImaginaçãoElvira Souza Lima
A imaginação vista pelo senso comum Uma das idéias mais populares sobre imaginação é a de que ela é uma característica da infância. Entende-se, geralmente, que as crianças têm uma imaginação bastante desenvolvida, ao passo que o adulto parece “perder” essa faculdade com o passar dos anos. A imaginação infantil está presente, por exemplo, nas narrativas que as crianças pequenas elaboram em suas brincadeiras de faz-de-conta, nas “histórias” que inventam, nas explicações que produzem sobre suas percepções e vivências. Outra noção muito presente no senso comum é a de que a imaginação se contrapõe à realidade. A imaginação surgiria como um comportamento que se apóia em idéias e formulações mentais que não correspondem ou que não se enquadram nos parâmetros da realidade. Expressões como “ter imaginação fértil”, “viver imaginando coisas” sugerem um comportamento psicológico que não corresponde, parcial ou totalmente, à realidade. Muitas vezes, tais expressões são utilizadas para se referir a pessoas que demonstram pouca clareza quanto aos fatos concretos da vida cotidiana. Esta concepção acaba dando para a imaginação uma certa conotação negativa. A imaginação é, também, referida como uma condição especial que pessoas criativas apresentam, principalmente, nas diversas formas de manifestação artística, incluindo música, teatro, literatura, artes plásticas, cinema, assim como nas áreas de propaganda, programação visual, artes gráficas. Nessa perspectiva, imaginação é entendida como talento ou criatividade, propriamente ditos, ou como parte do processo de criação de pessoas talentosas. Nessas visões do senso comum temos, então, que a imaginação é vista, geralmente, como uma faculdade que faz parte da infância. Ou, então, uma faculdade que determinadas pessoas possuem que pode levá-las tanto à criação como à alienação. Embora essas idéias do senso comum contenham alguns elementos de realidade, elas estão longe de contemplar a complexidade do funcionamento da imaginação, seu alcance na dimensão histórica da evolução da espécie e ficam muito aquém do papel real que a imaginação exerce no processo de desenvolvimento e aprendizagem do ser humano. Sem o exercício da imaginação seria, praticamente, impossível para o ser humano sobreviver na vida cotidiana em qualquer momento da história. É ela que permite pensar “além” do real percebido e elaborar uma nova modalidade de atividade humana: assim, ao inventar a agricultura, o ser humano pôde optar entre a vida nômade e sedentária. A vida sedentária levou à criação de núcleos de vários tipos de moradias, o que modificou os níveis de comunicação humana e possibilitou, ao longo do tempo, acúmulo de saberes. E assim por diante. Sem a imaginação, nossa espécie não teria desenvolvido a cultura, a ciência e a tecnologia, muito menos teria desenvolvido as diversas formas artísticas e criado obras que permanecem ao longo dos séculos como patrimônio da humanidade. Das construções arquitetônicas à literatura, toda a produção estética humana está, intimamente, ligada à imaginação. Podemos entender a imaginação como relevante para a aprendizagem em três dimensões distintas: 1) A imaginação está na origem da formulação do conhecimento que vamos ensinar É exatamente neste movimento que a imaginação se manifesta, ao introduzir novas relações entre o ir e vir das informações que estão na memória. Para isso é necessário tempo. O ser humano não tem autonomia para determinar que, em um momento dado, vai realizar, intencionalmente, a criação de algo novo. O novo emerge da reflexão do conhecimento em situações diferenciadas. A experiência emocional para o artista traz a possibilidade do novo. Para o cientista, por exemplo, este novo terá de vir da atividade imaginativa sobre o conhecimento acumulado nas disciplinas. Se a imaginação é uma função psicológica que traz em si a possibilidade do novo e de manter a continuidade na evolução do conhecimento, ela terá de, necessariamente, fazer parte do processo humano de criação e invenção. É nesse sentido que dizemos que estar a imaginação na origem do conhecimento que vamos ensinar, pois o currículo é o recorte do conhecimento que elegemos ensinar em um determinado período do processo de escolarização. 2) A imaginação está na origem do conhecimento que será apropriado pelo aluno Por exemplo, podemos problematizar um fenômeno científico que será estudado, por meio da mobilização da imaginação: como será que a energia elétrica surge da água na represa? Como será que a luz chega à lâmpada? O que será que acontece com a semente debaixo da terra? Como será que o computador guarda tanta informação? Por que o rio muda de cor? Levantar hipóteses para qualquer uma dessas questões implica ter liberdade do pensamento, desprender-se de uma ordenação fatual já conhecida e produzir uma organização nova com base nos elementos. A imaginação e a criatividade exigem, como premissa indispensável, a liberdade interna do pensamento, da ação e do conhecimento. Isto é, a capacidade imaginativa no ser humano tem como base a libertação da experiência sensível imediata, desta forma o indivíduo pode lidar, livremente, com o acervo mental que detém de imagens, informações, sensações colhidas nas várias experiências de vida, juntamente com as emoções e sentimentos que as acompanharam. Os processos de desenvolvimento e de aprendizagem na escola envolvem, precisamente, esta dialética de receber informações por meio dos sentidos e ter a possibilidade de ir além delas. 3) A imaginação está na origem do conhecimento futuro A imaginação pode ser mobilizada pela problematização feita pelo educador. Por exemplo: após friccionar um pente contra a roupa, ao aproximá-lo do cabelo, por que o cabelo fica em pé? A temporalidade no conhecimento, no entanto, não é linear. Na história das idéias podemos ver que, muitas vezes, idéias são formuladas em um momento histórico e são retomadas muito tempo depois. Essa constatação é particularmente verdadeira quando consideramos criações que são produtos da imaginação. O ser humano, muitas vezes, concebe idéias que não são viabilizadas em virtude da ausência da técnica necessária, recursos insuficientes ou inexistentes, em um período histórico. A obra científica de Da Vinci é um bom exemplo. Exercícios da imaginação interessam ao ser humano em qualquer período de formação. Sua utilização na escola tem uma função muito motivadora, pois imaginar sempre implica autoria. Quando eu imagino algo, sou o “diretor” da cena, eu tomo decisões sobre objetos, deslocamentos, construções e resultados. Posso montar o cenário, construir personagens, definir a ação, elaborar os conflitos, tensões, contradições e assim por diante. No processo de imaginar, o ser humano:
É interessante observar que esses são os mesmos movimentos necessários ao desenvolvimento do pensamento crítico. Para que uma pessoa tenha uma postura crítica, há necessidade de o pensamento se deslocar e considerar o assunto com base em várias perspectivas. Imaginar é desprender-se do dado e do atual, é projetar-se no futuro e no outro, é sair de si, tanto na dimensão do conhecimento quanto da sociabilidade. A imaginação implica deste modo a abertura para o outro e constitui um dos fundamentos da vida de relação. Na educação escolar é necessário, portanto, incluir a imaginação como um elemento constante nas atividades escolares e sempre presente nos conteúdos curriculares.
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